PHARRELL
IN MY MIND
Havia dias em que tudo era mais simples e despreocupado. Os movimentos escondiam-se por trás de um computador, o trabalho era virtuoso e executado com garbo e as intenções mantinham-se honestas. No fundo quando os focos de luz apontavam para outros... Hoje tudo é diferente. O trabalho convincente deixou de o ser. A honestidade foi substituída por ambição desmedida. A descrição possuída pelo síndroma do vedetismo. Enfim, quem antes era um trabalhor casto e esforçado, a pensar no bem de uma comunidade sem inspiração, passou a ser uma máquina industrial fazedora de dinheiro, preocupada com uma imagem...
Uma frase explica quase tudo: Pharrell deixou-se engolir pela indústria musical. Resta saber se foi intencional ou um acidente. À muito que namorava o "monstro" e à muito que via o sucesso passar ao lado.
A imagem de marca dos The Neptune rendeu os primeiros louros quando nos meados de 90 introduziram uma linguagem minimal, tecnológica e sincrética no r&b e no hip-hop. Era uma lufada de ar numa produção sem nervo e sem capacidade de renovação própria. Abriram-se as janelas e o mofo começou a sair. Pharrell e Chad Hugo desafiavam os paradigmas, os clássicos e, à semelhança de Timberland, em vez de mutilar o legado histórico da música afro-americana tradicional, procuraram criar um r&b com personalidade nova, própria, com atitude, moderna. Era a inovação, a novidade e a excitação. Todos queriam Pharrell e Chad Hugo. No Doubt, Janet, Britney Spears, *NSYNC, TLC, Usher, Mary J. Blige, Toni Braxton, Kelis, Busta Rhymes, Babyface, Mariah Carey e Justin Timberlake. Todos queriam a produção da dupla e todos acabaram por ter sucesso depois do toque singular dos The Neptune.
Mas enquanto Chad Hugo soube manter distância, mesmo quando os focos obrigavam a mediatização dos N*E*R*D, já Pharrell envolvia-se com a sua própria imagem nos clips da MTV. E gostou da sua imagem... Aparentemente é isso que desenvolve com preocupação e garbo, neste momento.
Com a edição do muito aguardado «In My Mind» ficamos realmente a saber o que passa pela mente de Pharrell: sucesso, muito sucesso! A vida de luxúria desviou-o dos propósitos que o movia à dez anos atrás. O álbum debutante, além de não trazer nada de novo, também não trás nada de melhor. Nada é acrescentado. A história escreve-se com o mesmo papel e caneta, com a mesma técnica, mesma sintaxe.
A música é na grande maioria das vezes banal e superficial, sem grande substância e alma. O alinhamento é descuidado, para não falar péssimo, mostrando duas facetas de Pharrell: uma de produtor hip-hop preocupado com o proverbial – na primeira parte do CD; outra, de vedeta maníaca que procura explorar o seu próprio glamour em temas r&b languentos – na segunda metade. Nem as colaborações – Gwen Stefani, Slim Thug, Snoop Dogg, Jay-Z, Kanye West –, que nada acrescentam de mais valia à música de Pharrell, ajudam o produtor a superar a crise criativa...
Eis a ironia: Pharrell critica quem em Hollywood passou a viver uma vida materialista, com o sexo desvairado em mansões luxuosas. Fala de futilidades sumptuosas, de manias de vedetismo e de amores traídos ou não correspondidos. Tudo assuntos caros à grande maioria dos músicos r&b do momento, inclusive ele. Um valente tiro no pé...
Da imagem actual e imediata de Pharrell Williams percebemos que de agora em diante temos um produtor narcisista que se apaixonou pelo sucesso e dele não deverá abdicar tão cedo. É pena para quem já demostrou talento. A desilusão dos últimos anos!